terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O Andarilho das Estrelas, Jack London 1913 1915

"Há uma força motriz mais poderosa que o vapor, a eletricidade e a energia atômica: a VONTADE!"
(Albert Einstein)


Recomendo.

Inspirado pelo relato verídico de um ex-detento da penitenciária de San Quentin, nos Estados Unidos, Jack London escreveu este livro que é um dos seus mais intrigantes e envolventes romances.

No começo do século XX, saíram contrabandeados da penitenciária de San Quentin, nos Estados Unidos, manuscritos de um ex-detento que permaneceu na solitária por oito anos até ser enforcado. Este seria um fato comum, não fosse o incrível conteúdo dos relatos, que foram produzidos de maneira inusitada - após o prisioneiro submeter-se à auto-hipnose e entrar em estado alterado de consciência, por meio do qual era capaz de vivenciar experiências de vidas passadas, Darrell Standing, um professor de Agronomia que matou um colega de faculdade, aprendeu essa técnica dentro da prisão, em princípio para escapar das terríveis dores que lhe causavam a tortura da camisa-de-força, onde ele era obrigado a ficar até cem horas ininterruptas; depois, para recuperar mais detalhes das longínquas existências que lhe eram proporcionadas a cada novo "desdobramento astral". Em suas memórias, ele deixou registrado um relato que nos chama atenção porque as provas dessa sua existência encontram-se expostas hoje no Museu da Filadélfia. Embora fosse um cético, Jack London, mestre norte-americano da ficção, absorveu a rica experiência de Darrell Standing e se propôs a narrar um dos mais instigantes e envolventes romances de todos os tempos.
Escrito em 1913, “O Andarilho das Estrelas” é um livro raríssimo que ficou esquecido por 80 anos deste importante escritor socialista norte-americano.



Inspirado pelo relato verídico (real) de um ex-detento da penitenciária de San Quentin (Darrell Standing), o livro versa sobre um prisioneiro do começo do século vinte que aprende um meio para escapar à tortura da camisa de força a que era constantemente submetido. Através de técnicas de auto-hipnose, concentração mental e extremo domínio da vontade, ele consegue produzir o fenômeno que os parapsicólogos chamam de "desdobramento" e que, na linguagem mística, é conhecido por "viagem astral". Ao entrar nesse estado de consciência, ele não apenas supera a dor física, como também alcança uma outra dimensão: a viagem às suas vidas passadas, às suas encarnações anteriores.

Percebi que era costume daquele país que todo homem chamasse todos os outros homens de loucos. Na verdade, na minha opinião, eles eram todos loucos. Havia uma epidemia de loucos.

Mesmo que eu tivesse todo o tempo de mil vidas, eu não poderia completar os últimos detalhes das minhas experiências na camisa-de-força. Preciso, portanto, abreviar minha narrativa.
Primeiro, Bergson está certo. A vida não pode ser explicada em termos intelectuais. Como disse Confúcio há muito tempo: “Quando somos tão ignorantes da vida, podemos conhecer a morte?” E ignorantes da vida somos quando, na verdade, não podemos explicá-la em termos de compreensão. Conhecemos a vida apenas como fenômeno (do mesmo modo que um selvagem conhece um dínamo) e nada conhecemos da vida como número, nada conhecemos sobre a natureza da substância intrínseca da vida. Segundo, Marinetti está errado quando afirma que a matéria é o único mistério e a única realidade. Eu digo — e como você, meu leitor, percebe, eu falo com autoridade — eu digo que a matéria é a única ilusão. Comte queimou o mundo, que é equivalente à matéria, o grande fetiche; e concordo com Comte. E a vida que é a realidade e o mistério. A vida é totalmente diferente de mera matéria química a fluir em elevadas manifestações de movimento. A vida permanece. A vida é o fio de fogo que permanece através de todas as manifestações da matéria. Eu sei. Eu sou vida. Eu vivi dez mil gerações. Eu vivi milhões de anos. Eu habitei muitos corpos. Eu, o possuidor desses muitos corpos, permaneço. Eu sou vida. Eu sou a chama inextinguível sempre a brilhar e a assombrar a face do tempo, sempre a trabalhar minha vontade e a descarregar minha paixão nos agregados terrenos de matéria, chamados corpos, que transitoriamente habitei. Veja. Este dedo meu, tão rápido na sensação, tão sutil no tato, tão delicado em suas múltiplas habilidades, tão firme e forte para dobrar e curvar as coisas ou esticá-las com astuta destreza — esse dedo não é eu. Corte-o fora. Eu vivo. O corpo é mutilado. Eu não sou mutilado. O espírito que sou eu está inteiro.Pois bem. Corte fora todos os meus dedos. Eu sou eu. O espírito está inteiro. Corte minhas mãos. Corte meus braços pelos ombros. Corte minhas pernas pelos quadris. E eu, o eu inconquistável e indestrutível, sobrevivo. Serei menor por causa dessas mutilações, dessas subtrações da carne? Certamente que não. Raspe meu cabelo. Com navalhas afiadas, corte fora meus lábios, meu nariz, minhas orelhas — ai de mim, e ar-ranque meus olhos das órbitas; e ali, confinado naquele crânio sem feições ligado a um tronco mutilado e injuriado, ali, naquela prisão da carne química, ainda estarei eu, não-mutilado, não-diminuído. Ah, mas o coração ainda bate. Pois bem. Arranque o coração; ou melhor, jogue esse resto de carne num moedor — e eu, eu, você entende?, todo o espírito e o mistério e o fogo vital e a vida de mim, estarei fora dali. Eu não pereci. Apenas o corpo pereceu, e o corpo não sou eu.

— Mas, homem — tentei fazê-lo raciocinar —, o que é que eu sei, por mim mesmo, dessa Cho-Sen? Sou capaz de identificar Cho-Sen com esse país que a gente chama de Coréia, e é só. Tudo que eu vi na vida só vai até aí. Por exemplo, com a experiência desta minha vida atual como que eu poderia saber alguma coisa sobre kimchi? E no entanto eu sei o que é kimchi. E um tipo de chucrute. Quando estraga, fede como o diabo. Te digo, quando eu era Adam Strang, comi kimchi milhares de vezes. Conheço okimchi bom, okimc hi ruim, o kimchi estragado. Sei que o melhor kimchi é feito pelas mulheres de Wosan. Agora, como é que eu sei disso? Não está no conteúdo da minha mente, da mente de Darrell Standing. Está no conteúdo da mente de Adam Strang e ele,
através de vários nascimentos e mortes, legou essas experiências para mim, Darrell Standing, junto com todas as outras experiências de todas as outras vidas que vieram depois. Você não vê, Jake? É assim que os homens se formam, é assim que eles crescem, é assim que o espírito se desenvolve.

Darrell Standing

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

amor!

Cade tu pra me abraçar, nagro ?
Me chingar ? me dar uns puxões dizendo que eu to errada ?
Cade tu com teu perfume, o barulho da tua chave ?
O teu grito me mandando sair do pc?
Cade tu pra eu dizer que te amo, e que tu nunca vai morrer pra mim ?
Cade tu pra deitar na minha cama e me dar boa noite?
Cade tu pra xingar o gato e dizer pra ele não miar?
Cade tu pra me dar uma canelada e dizer que é mais forte?
Porque tu não está aqui ?
Vai demorar pra gente se ver?
a saudade é forte, sabia ?
e eu te amo demais. Nagro. Dod Muay Thai


Nathália Andrade

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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Daniel - Mateus Pratagy

Foi correndo até o outro lado da rua só pra ver que não ia dar tempo de falar com ela. Com medo de gritar na frente de todo mundo, falou seu nome em voz alta, mas não o bastante para ser ouvido. Ela pegou o ônibus, e partiu. Embora não soubesse levantar a voz como seu pai fazia, bem que Daniel podia gritar mais alto, de modo que ela virasse a cabeça para trás e reparasse que ele ainda estava ali. Mas não, e se arrepende até hoje por isso. É um daqueles fatos que ainda acontecem na nossa mente todos os dias, de formas diferentes. É aquele ponto decisivo no qual você falhou, e Daniel sabia muito bem disso. Estava na hora de mudar, de fazer valer a pena o que quer que acontecesse dali pra frente.
Mas como? Parece que tudo é uma roda viva. A cor do céu, a comida na mesa, a mulher na cama. Até a goteira continua lá, nos muitos dias de chuva. É sempre assim, uma coisa imutável. Claro que repetir as coisas é enfadonho, e pra tudo há um adjetivo idiota que não precisa estar ali, estão simplesmente porque não sabemos nos desvencilhar do que é desnecessário. Talvez viver do que apenas lhe é importante seja o segredo para Daniel. Há tanta coisa que se impermeou na sua vida que não faz mais sentido hoje em dia. Ou mesmo nunca fizeram sentido. A roupa suja no varal, pra quê? Se ele pode jogar tudo na merda do lava-roupas? Pra que malhar, se ninguém se importa com o seu físico? Que tal virar escravo de si mesmo?
Não tem como perder tempo, já começou. As paredes que estavam pintadas  havia uma semana já começavam a desmanchar, e o encanamento a arrebentar, todinho, cano por cano. Parecia que uma pedra enorme de quarenta e sete quilos estava posicionada sobre o seu peito e a única coisa que você podia fazer era gritar. E Daniel, desta vez, tem coragem para gritar. Por que o que não se pode fazer sozinho que você faz nos seus sonhos? As maravilhas, a privada limpa, e essas coisas aleatórias após cada vírgula ditam a repetição. Tão condenada, tão vivida, e agora morrida.
Daniel corre atrás, mais uma vez. Atravessa a rua no sinal vermelho, passa por baixo de um veículo, pega carona numa bicicleta. E grita daquele jeito que sempre quis. E dessa vez nenhuma corda vocal se pôs a limitar sua vontade, de modo que janelas quebrassem de ressonância. Caiu no chão, deitou nos seus braços e deu um longo sorriso, mais longo que o seu próprio rosto. De apatia já basta, e mais um beijo não vai machucar ninguém. Pegou sua bicicleta jogada no meio-fio e foi-se embora pra casa, com aquele gosto de mel na boca.
2
Daniel era um rapaz de classe média, não tinha mais nada pra fazer nessa vida a não ser viver. Parece ser uma coisa muito fácil de ser entendida, é o pior que é mesmo. Todos aqueles sonhos de criança, o idealismo barato, qualquer coisa que eu possa escrever aqui, isso mesmo, tudo isso, estava morto na vida de Daniel. É lógico que ele ainda tinha a opção de reverter tudo isso e fazer valer a pena mais uma vez, como naquela vez na qual andou de bicicleta em volta do lago. Mas ele simplesmente desistiu, tomou cianureto e disse adeus ao mundo. Mentira, não foi isso. Vocês fazem questão de saber mesmo?
Tudo ainda estava lá, o lençol desarrumado. Daniel nem fazia questão de arrumar. Já estava cansado de fazer isso todos os dias, de fazer com que suas frases fossem tão curtas. É como se fosse um vício por um pontinho redondo. Talvez seja por isso que Daniel nunca fumou, seu vício era esses pingos de tinta azul. Seus vizinhos diziam que podia até ver os mortos, como se visse quem ele queria que estivesse ali, quem faltasse. Tinha essa habilidade de botar o que não estava lá no que estava lá. Isso fazia com que até o cobertor que não esquentava tanto, esquentasse mais um pouco.
Essa era a sua qualidade. Tirava boas ideias até mesmo de um capítulo de novela das oito. Podia ir no banheiro fazer xixi mas não perder o fio da meada de um filme chato. E até o filme chato podia ficar legal se ele se proposse a achar que não tinha entendido.
Daniel dormiu tranquilo naquele dia de segunda. Não incomodou ninguém, só sujou um pouco a pintura das paredes. Mas é difícil os próximos moradores relamarem, devido a circustância. Não teve filhos, não era um rapaz muito ligado nisso. Ligado mais na cor do céu, na comida na mesa, no amor na cama.
3
O erro está na abordagem. Falar sobre uma pessoa sem conhecer seu ambiente, seus conhecidos... É um erro, definitivamente. Então não é besteira falar que Daniel é um erro, porque seu ambiente era só um e seus conhecidos eram vários, embora se você pudesse separar por categorias, o resultado fosse um. A graça está em dissecar o desinteressante, o que a gente vê todo dia.
Daniel via o rosto dela todo dia, durante o almoço. O arroz, o cabelo; o feijão, a olheira; a farofa, o nariz; o bife, a boca. Engraçado como esse esforço de imaginação não era nada de esforço, pelo contrário. Pelas contas, das pessoas que já tinha perdido há muito tempo, nem almoço nem jantar nem café da manhã. Fazia tão mal de não fazer o que era pra fazer? E quem ditava o que era pra fazer, afinal?
O erro mesmo, não estava na abordagem. Estava no que ele tanto se importava em fazer: ouvir os outros. E se todos falassem a mesma coisa, é como se só existisse uma coisa a se fazer. Mas Daniel nunca percebeu que aquilo era o seu maior erro, e acabou que deixou um legado ridículo pra trás. Só uma caneta usada, com a qual ele costumava fazer pontinhos azuis ridículos na parede do banheiro. Tinha de desistir, porque lhe falaram pra desistir. E foi o que aconteceu. E está escrito nessas páginas, cheias de pontinhos pretos, mas que poderiam ser azuis.

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