domingo, 27 de maio de 2012

Os Subterrâneos, Jack Kerouac 1950s 1953 1958

os homens são tão malucos querem a essência a mulher é a essência lá está ela bem na mão deles mas eles saem correndo construindo grandes estruturas abstratas

Escrito durante três dias e três noites, Os subterrâneos possui contornos autobiográficos. Leo Percepied é Kerouac e Mardou Fox é Alene Lee, a moça pela qual o escritor se apaixona em New York em 1953. No livro, a pedido do editor, a história se transfere para San Francisco, mas o ambiente underground e boêmio é o mesmo.
O texto de Kerouac – publicado em 1958, um ano após o lançamento de On the Road –, é uma prosa de um só fôlego, com poucas pausas para novos parágrafos. Após concluir o livro, o próprio autor afirmou que a obra tinha adquirido um estilo quase jazzístico, ritmado, como o bebop que serve de trilha sonora para a história.
Os subterrâneos são um grupo de hipsters, aspirantes a artistas, outsiders, homens e mulheres que vivem de bar em bar pelas ruas da cidade. Os subterrâneos é a história do encontro de duas almas perdidas. Mardou é uma moça metade cherokee (índia) metade negra , que cresceu em meio à pobreza. Passou a juventude pulando de amante em amante, até conhecer Leo. Ele, por sua vez, se apaixona verdadeiramente por Mardou, mas a forte ligação com a mãe e o preconceito racial fazem com que Percepied não consiga levar o romance adiante. Ao romper essa ligação, Leo/Kerouac se vê completamente perdido, atitude que é justificada pelas últimas linhas do texto: – E vou para casa tendo perdido o amor dela. E escrevo esse livro.

Eu saí de casa e fui andando sem saber pra onde minha cabeça ficava pensando pra que lado eu ia mas meu corpo andava sempre para a frente pela columbus avenue embora eu tivesse a sensação de cada direção que eu tomava mental e emocionalmente espantada com todas as direções que a pessoa pode tomar dependendo dos objetivos que pintam quer dizer você pode virar uma pessoa diferente eu penso muito nisso desde pequena de por exemplo em vez de subir a columbus como eu fazia sempre se eu entrar na filbert será que aconteceria uma coisa bem insignificante na hora mas que depois ia influenciar todo o resto de minha vida?o que aconteceria se eu tivesse seguido na direção que eu não segui?
a solidão que eu encarava de tantas maneiras diferentes quanto possível
tendências subterrâneas hip ao silêncio mistério boêmio drogas barbas semi-santidade e como eu vim descobrir depois mau-caratismo extremo (como george sanders em 'a lua e dois vinténs')
estava nua havia levantado dos lençóis satisfeitos dele para se entregar aos cinzentos pensamentos do que fazer, aonde ir
e olhei para ela e me perguntava se ela estava dizendo a verdade
ela estava no beco querendo saber quem ela era noite garoa fina neblina silêncio de san francisco adormecida os barcos na baía o véu sobre a baía de grandes neblinas ávidas a auréola de luz soturna saindo por entre os pilares do templo de alcatraz o coração dela batendo no silêncio na paz escura e fria sentada numa cerca de madeira esperando - esperando que alguma idéia de fora viesse ter com ela para dizer o que fazer e cheia de significado e premonição porque tinha de estar certa e só uma vez - 'um escorregão na direção errada' de que lado pular da cerca o espaço infinito se espalhava  nas quatro direções

os homens são tão malucos querem a essência a mulher é a essência lá está ela bem na mão deles mas eles saem correndo construindo grandes estruturas abstratas

como o mundo é frio é só você arranjar essas moedinhas simbólicas e eles deixam você entrar pra se aquecer e comer até não poder mais
ela sentada lá olhando pra todo mundo os tarados de sempre com medo de encará-la porque o olhar dela é louco eles sentem algum perigo vivo no apocalipse do pescoço tenso ávido daquela moça naquelas mãos magras e trêmulas - 'aquilo não é mulher não' - 'essa índia maluca vai matar alguém'
enquanto a gente falava uma grande corrente elétrica de compreensão verdadeira corria entre nós e eu sentia os outros níveis um número infinito de níveis de toda entonação da fala dele e da minha e o mundo de significados que havia em cada palavra - e eu nunca tinha percebido antes quanta coisa está acontecendo ao mesmo tempo e as pessoas sabem
o sol gostoso as flores e eu descendo a rua e pensando 'como que eu me permitia ficar entediada antigamente e pra compensar ficava muito louca ou de porre ou com acesso de alguma coisa de raiva ou qualquer outra maneira de reagir quando sequer alguma coisa em vez da compreensão das coisas que existem que afinal de contas são tantas e ficar pensando em lances sociais grilantes - sabe esse lances grilos sabe problemas sociais e meu problema racial um negócio tão sem importância e eu senti que aquela grande confiança e o ouro da manhã iam desaparecer um dia aliás já estava começando eu podia ter transformado toda a compreensão e vontade de viver e seguir em frente meu deus foi o negócio mais bonito que já aconteceu comigo do jeito que foi - mas agora foi uma coisa tão sinistra'
agora na casa de madeira onde ela foi criada no terror Mardou de cócoras encostada na parede olhando para os fios na penumbra e ela ouve a própria voz falando e não entende por que está falando aquilo só sabe que é preciso falar botar pra fora porque antes naquele dia quando em suas perambulações ela finalmente chegou à third street entre as filas de bêbados cambaleantes e os índios completamente de porre com curativos caindo nos becos e o cinema poeira com programa triplo e as criancinhas dos hotéis vagabundos correndo na calçada e as lojas de penhoras e os botequins de negros com vitrolas e ela parada no sol sonolento de repente ouvindo bop como se pela primeira vez a intenção dos músicos e os metais e instrumentos de repente uma unidade mística se exprimindo em ondas sinistras e de novo eletricidade porém gritando cheia de vida palpável a palavra direta vinda da vibração as trocas de informações os níveis de insinuações sinuosas o sorriso sonoro a mesma insinuação viva do modo como a irmã dela instalara aqueles fios enrolados enredados e cheios de intenções aparentemente inocentes mas na verdade por trás da máscara da vida cotidiana completamente em acordo com a boca sentimental serpentes quase sarcásticas de eletricidade colocadas ali de propósito que ela passara o dia todo vendo e ouvindo na música e via agora nos fios - aí as irmãs viram que realmente havia algum problema sério a mais nova das irmãs Fox que era alcoólatra e aprontava na rua e volta e meia era presa pela delegacia de entorpecentes algum problema inominável terrível medonho 'ela queima fumo e vive às voltas com aqueles caras barbudos estranhíssimos de san francisco'
para o bom entendedor meia palavra basta 'esperto demais pirou' escreveu ginsberg
estou sentido tantas sensações estranhas revivendo e reformulando Muitas coisas velhas
Deus quer que nossa vida não seja tão cruel quanto nossos sonhos
é digo eu triste mas eu devia ter prestado mais atenção àquele velho viciado que disse que tem uma amante em cada esquina - são todas iguais garoto por isso não se amarre em nenhuma delas

Jack Kerouac

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