quinta-feira, 17 de maio de 2012

Uivo, Allen Ginsberg 1955 1956

Lançado no outono de 1956, o longo e profético Uivo de Allen Ginsberg (1926-1997) foi apreendido pela polícia de San Francisco, sob a acusação de se tratar de uma obra obscena. Depois de um tumultuado julgamento, semelhante ao que foi submetida a novela de William Burroughs, Naked Lunch, o poema foi liberado pela Suprema Corte americana e vendeu milhões de exemplares. Desde então se tornou uma fonte indispensável para todos aqueles que pretendem penetrar nas estações do inferno e iluminações de Allen Ginsberg e seus companheiros hipsters, pelas estradas amplas e becos sórdidos da América. 
Junto com (On the road de) Jack Kerouac, é Uivo que marca o início do movimento beat. Subitamente transformado numa celebridade na América, Ginsberg prosseguiu produzindo num mesmo ritmo frenético até sua morte, em 1997. Estes poemas são exemplos brilhantes de poesia espontânea e em ritmo jazzístico do poeta maior da sua geração. 

Visões! Profecias! Alucinações! Milagres! Êxtases! Sonhos! Adorações! Iluminações! Religiões!
Eu estou com você em Rockland, onde você ri desse humor invisível
A camisa-de-força está perdendo o verdadeiro jogo de ping-pong do abismo
A alma não poderia morrer impiamente num hospício armado
Sua alma nunca retornará a seu corpo de volta a sua peregrinação rumo a uma cruz no vazio
Eles vieram jogar bombas angelicais
Tesouros de esqueletos
Magnanimidade
O hospital ilumina-se, paredes imaginárias desabam
Foram atropelados por táxis bêbados de realidade absoluta
Um supermercado na Califórnia; famílias inteiras estão fazendo suas compras a noite
Corredores cheios de maridos! Esposas nos abacates, bebês nos tomates! E você, Garcia Lorca, o que fazia lá, no meio das melancias?!
Quem matou as costeletas de porco? Qual o preço das bananas? Será você o meu anjo?
Perambulamos juntos pelos amplos corredores com nosso passo solitário, provando alcachofras, pegando cada um dos petiscos gelados e nunca passando pelo caixa.
Aonde vamos, Walt Whitman? As portas fecharão em uma hora. Para quais caminhos aponta tua barba esta noite?
Estou tão só na minha glória
Toco teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado e sinto-me absurdo.
Caminharemos a noite toda por solitárias ruas? As árvores somam sombras às sombras, luzes se apagam nas casas, ficaremos ambos sós.
A porta do armário aberta porque o usei há pouco, continuou gentilmente aberta esperando-me, seu dono.
A música é minha miséria, por isso quero cantar
Tive um lampejo de claridade, vi o sentimento no coração das coisas, saí para o jardim chorando
A porta do armário está aberta para mim, lá onde a deixei, e já que a deixei aberta, continuou gentilmente aberta. A cozinha não tem porta, o buraco que está lá me aceitará se eu quiser entrar na cozinha.
Estou tentando entrar no assunto. Recuso-me a abrir mão de minhas obssessões
Eu tenho visões místicas e vibrações cósmicas
Você vai deixar que sua vida emocional seja conduzida pelo Time Magazine?
Está sempre me fafalando de responsabilidades. Os homens de negócios são sérios. Os produtores de cinema são sérios. Todo mundo é sério, menos eu. Estou de novo falando sozinho. É bom eu verificar meus recursos nacionais. Meus recursos nacionais consistem em cigarros de maconha, uma literatura pessoal impublicável a 2000km/h e vinte e cinco mil hospícios.
3 horas de viagens passando por túneis
Morre, se pensas ter aquilo que buscas!
Prova a minha boca no teu ouvido
Lá, repousa. Mais nada de sofrimento pra você. Sei para onde foi, tudo bem.
Todas as acumulações da vida que nos consomem - relógios, corpos, consciência, sapatos, seios - filhos paridos - seu consumismo - 'paranóia' nos hospitais
Certa vez você chutou Elanor na perna, mais tarde ela morreu do coração. Você de derrame. Dormindo? No espaço de um ano, vocês duas, irmãs na morte. Estará Elanor feliz?
E quem seria o motorista da camionete de queijos, senão um membro da quadrilha?
Em que viagem de ônibus estarão eles roncando agora?
Eu sou sua mãe, leve-me para Lakewood, onde eu possa me esconder.
Iria ela esconder-se no quarto para descer alegremente na hora do café? Ou trancaria a porta para espreitar pela janela procurando espiões nas esquinas? Sonhando numa poltrona - ou divertindo-se às minhas custas - diante de um espelho, só? Era a hora de fugir.
Naomi no balcão dos remédios defendendo-se do inimigo - revoadas de livros infantis, saquinhos de banhos de espuma, aspirinas, vidro, sangue
Louis aterrorizado junto ao balcão dos refrigerantes - com escoteiras de Lakewood - viciadas em coca - enfermeiras - motorista de ônibus esperando seu turno - policiais da delegacia local, perplexos - e um padre, sonhando com porcos num antigo penhasco.
Farejando o ar - Louis apontando para o vazio - fregueses vomitando suas cocas - ou encarando - Louis humilhado - Naomi triunfante - A revelação da conspiração. O ônibus chega, os motoristas não os levarão para Nova York.
Quais venenos? Gravadores? FBI?
Tia Rose lavando as agulhas da guerra civil espanhola.
'Leve-me para casa' - algumas vezes fui sozinho.
Não, mamãe, você está louca, confie nos drs.
Tome um pouco de canja de galinha, Eugene.
Não pensarei em nada, a não ser pensamentos belos.
Louis caminhava até o centro para buscar a correspondência, dava pulos no colégio - sentava-se à escrivaninha da poesia, desamparado - como sofrimento no Bickford's aqueles anos todos - passados.
Minha irmã cochicha pelo rádio - Louis deve estar no seu apartamento - sua mãe lhe diz o que  falar - MENTIROSOS! - Preparei comida para meus dois filhos, toquei bandolim.
O rádio clama por dinheiro. Luz da policia na tela da tv.
A noite passada a cotovia me despertou. A noite passada quanto tudo estava quieto. Cantava na dourada luz da lua. Cantava na colina gelada. Ela fez.

Allen Ginsberg

Marcadores: ,

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial