sábado, 22 de setembro de 2012

Jack London, O Tacão de Ferro (PROFECIA) 1908

Recomendo!
Trechos:

19 Sozinha, no seio de uma paz tão profunda, estou sentada, pensativa e inquieta. O excesso mesmo dessa serenidade perturba e a torna irreal. O vasto mundo está calmo, mas da calma que precede às tempestades. Escuto e espreito com todos os meus sentidos o menor índice do cataclismo iminente. Que não seja prematuro! Oh! que não arrebente tão cedo!
Minha irrequietude se explica. Penso, penso sem tréguas e não posso me impedir disso. Vivi tão longo tempo no coração da refrega que a tranquilidade me oprime e a minha imaginação volta, independente de meu controle ao turbilhão de destruição e morte que vai desencadear dentro de pouco tempo. Creio ouvir os gritos das vítimas, ver, como vi no passado, toda essa sensível e preciosa carne assassinada e mutilada, todas as almas violentamente arrancadas de seus nobres corpos e atiradas à face de Deus. Pobres humanos que somos, obrigados a recorrer à carnificina e à destruição para atingir nossa finalidade para introduzir na terra paz e felicidade duradouras!
20 Do peito da humanidade derribada arrancaremos o Tacão de Ferro maldito! Ao sinal dado as legiões de trabalhadores se sublevarão em toda parte e jamais nada de parecido foi visto em toda a História. A solidariedade das massas laboriosas está assegurada e pela primeira vez estalará uma revolução internacional tão vasta quanto o mundo.

79-80 "Um tal exército revolucionário, com vinte e cinco milhões de homens, pode deter e reter a atenção das classes dominantes. O grito desse exército é: "Nada de divisões! Precisamos de tudo que possuem. Não nos contentaremos com menos. Queremos ter entre as mãos as rédeas do poder e o destino do gênero humano. Eis nossas mãos, nossas fortes mãos! Elas tomarão seu governo, seus palácios, toda a sua abastança dourada e um dia virá em que os senhores precisarão trabalhar com as próprias mãos para ganhar o pão, como fazem os trabalhadores nos campos ou os operários estiolados em suas metrópoles. Eis nossas mãos: olhem para elas - São de punhos sólidos!"
Ernesto continou seu ataque. Explicou a existência de um milhão e quinhentos mil revolucionários nos Estados Unidos acusando a classe capitalista de ter governado mal a Sociedade. Depois de ter feito um resumo da situação econômica dos homens das cavernas e dos povos selvagens de nossos dias, que não tinham nem ferramentas, nem máquinas e possuíam apenas seus meios naturais para produzir a unidade da força individual, traçou o desenvolvimento dos instrumentos de trabalho e da organização até o ponto atual onde o poder produtor do indivíduo civilizado é mil vezes maior que aquele do selvagem.
"Cinco homens são suficientes presentemente para produzir pão que alimente a um milhar de seus semelhantes. Um só homem pode produzir tecidos e calçados para mil. Fica-se com a tentação de concluir que numa boa administração da sociedade a vida do civilizado moderno deveria ser muito mais confortável que a do homem pré-histórico. É assim? Examinemos a questão. Existem hoje nos Estados Unidos quinze milhões de homens vivendo na pobreza: e por pobreza entendo a condição de subalimentação e de falta de abrigo conveniente, não podendo ser mantido o nível da capacidade de trabalho. Hoje, nos Estados Unidos, a despeito de toda nossa pretensa legislação trabalhista existem três milhões de crianças empregadas como trabalhadores. Seu número duplicou em doze anos. Ocasionalmente pergunto porque os senhores, os gerentes da sociedade, não publicaram as cifras do recenseamento de 1910. E respondo pelos senhores: porque esses números são alarmantes. As estatísticas da miséria teriam podido precipitar a revolução, que se prepara.
Volto à minha acusação. Se o poder da produção do homem moderno é mil vezes superior ao do homem das cavernas, por que, pois, existem atualmente nos Estados Unidos quinze milhões de pessoas que não tem alimentação e teto conveniente e três milhões de crianças que trabalham? É uma acusação séria. A classe capitalista é culpada da má administração. Em presença desse fato, desse duplo fato, que o homem moderno vive mais miseravelmente que seu antepassado selvagem quando seu poder produtor é mil vezes maior, nenhuma outra conclusão é possível senão a de que a classe capitalista governou mal, que os senhores são maus administradores e péssimos patrões e que sua má gestão é um crime imputado ao egoísmo dos senhores.
Fracassaram na gerência. Fizeram da civilização um balcão de açougueiro. Mostraram-se ávidos e cegos. Tiveram e tem ainda hoje a audácia de se levantarem nas câmaras legislativas e declarar que seria impossível fazer benefícios sem o trabalho das crianças, dos bebês! Oh! não me acreditem sob palavra: tudo está escrito e registrado contra os senhores. Os senhores narcotizaram a própria consciência com as tagarelices sobre o belo ideal e a cara moral. Ei-los gordos de poder e de riqueza, inflados de sucesso.
88 "Eis aí, pois, nossa resposta. Não temos palavras para perder com o senhor. Quando o senhor lançar estas mão cuja força exalta, para se apoderar de nossos palácios e de nossa abastança dourada, mostraremos o que é a força. Nossa resposta será formulada em disparos de obuses, em explosões de Shrapnells e em crepitações de metralhadoras. Trituraremos seus revolucionários sob o nosso calcanhar e marcharemos sobre a sua face. O mundo é nosso, somos os senhores e nosso ele permanecerá. Na lama permanecerá enquanto que eu, os meus e aqueles que virão depois de nós, permanecerão no poder. Eis a grande palavara, o rei dos vocábulos: Poder! Nem Deus, nem Mamon, mas Poder! Esta palavra que fique em sua língua até queimar. Poder!

112 Na Inglaterra, no século XVIII, os homens e as mulheres teciam fazendas sobre teares de mão, ciente e dispendioso, o sistema de manufatura a domicílio. Depois veio a máquina de vapor, com o seu cortejo de engenhos para economizar o tempo. Um milhão de teares reunidos em uma grande usina e acionados por uma máquina central, teciam a fazenda em melhores condições do que podiam obter em suas casas o tecelões com os seus teares de mão. Na usina, afirmava-se a combinação diante da qual se anulava a concorrência. Os homens e as mulheres que tinham trabalhado para eles próprios em seus teares de mão, vinham então para as fábricas e corriam sobre os teares de vapor, não mais para eles, mas para os proprietários capitalistas. Cedo as crianças penaram nos teares mecânicos, por salários reduzidos e aí substituíram os homens. Os tempos se tornaram duros para elas. Seu nível de bem-estar baixou rapidamente. Morriam de fome.

123  é o desaparecimento não somente de pequenos capitalistas como os senhores, masCerca de doze dos senhores afirmaram esta noite a impossibilidade do Socialismo. Uma vez que os senhores o declararam impraticável, permitam-me agora demonstrar que é inevitável: também dos grandes capitalistas e dos próprios trustes, num momento dado. Lembrem-se que a onda da evolução jamais volta atrás. Sem refluxo, progride da rivalidade à associação, da pequena cooperação à grande, das vastas combinações às organizações colossais e dessas ao Socialismo, a mais gigantesca de todas.
Disseram que eu sonho. Muito bem! Vou expor as matemáticas de meu sonho. E, de início, desafio que os senhores demonstrem a falsidade de meus cálculos. Vou desenvolver o caráter fatal da derrocada do sistema capitalista e deduzir matematicamente a causa de sua ruptura. Vamos! E sejam pacientes se procuro meus princípios um pouco fora do assunto.
Examinemos primeiro os processos de uma indústria particular, e não hesitem em me interromper se disser alguma coisa que os senhores não possam admitir. Tomemos por exemplo uma manufatura de calçados. Essa fábrica compra o couro e o transforma em sapatos. Eis o couro a cem dólares. Passa à usina e dela sai sob a forma de calçado no valor de duzentos dólares, admitamos. Que se passou? Um valor de cem dólares foi acrescentado ao valor do couro. Como aconteceu tal coisa?
-124 O capital e o trabalho aumentaram esse valor. O capital fez a usina, as máquinas e pagou as despesas. A mão-de-obra forneceu o trabalho. O esforço combinado entre o capital e o trabalho, no valor de cem dólares foi incorporado à mercadoria. Estamos de acordo?
As cabeças se inclinaram afirmativamente.
O trabalho e o capital tendo produzido esses cem dólares ficam com o dever de repartí-los. As estatísticas das divisões desse gênero contém sempre numerosas frações: mas aqui, por comodidade, nós nos contentaremos com uma aproximação pouco rigorosa, admitindo que o capital tome por sua parte cinquenta dólares e que o trabalho receba como salário sua soma igual. Não discutemos sobre essa divisão: quaisquer que sejam as mercadorias acaba sempre por se arranjar a um preço ou a um outro. E, não esqueçam, o que digo de uma indústria, é aplicado a todas. Acompanham-me?
Os convivas manifestaram-se de pleno acordo.
Ora, suponhamos que o trabalho, tendo recebido seus cinquenta dólares, queira comprar sapatos. Poderia comprá-los por cinquenta dólares. É claro, não é verdade?
Passemos então dessa operação particular à totalidade das que se realizam nos Estados Unidos, não somente a propósito de couro, mas das matérias primas, dos transportes e do comércio em geral. Digamos em cifras redondas, que a produção total anual da riqueza nos Estados Unidos é de quatro milhões de dólares. O trabalho recebe, pois, em salário, uma soma de dois milhões por ano. Dos quatro milhões produzidos, o trabalho pode resgatar dois milhões. Não há nenhuma discussão sobre isto, estou certo. E ainda, minha avaliação é muito pródiga, porque graças a todas as sortes de manobras capitalistas, o trabalho não pode mesmo resgatar a metade da produção total.
Mas passemos adiante e admitamos que o trabalho resgate dois milhões. É evidente desde então que o trabalho não pode consumir senão dois milhões. Resta considerar os dois outros que o trabalho não pode resgatar nem consumir.
125 - O trabalho não consome mesmos seus dois milhões, declarou o Sr. Kowalt. Se fôssem esgotados não existiriam depósitos nas caixas econômicas.
- Os depósitos nas caixas econômicas não são uma espécie de fundos de reserva, tão depressa consumidos como acumulados. São economias postas de lado para a velhice, as doenças, os acidentes e as despesas de funerais. É o pedaço de pão guardado sobre o aparador para a nutrição do dia seguinte. Não, o trabalho absorve a totalidade do produto que pode resgatar com seus salários.
Dois milhões são deixadaos ao capital. Este, depois de ter reembolsado suas despesas, consome o resto? O capital devora seus dois milhões?
Ernesto se deteve e dirigiu claramente a questão à várias pessoas que se puseram a bater com a cabeça.
- Nada sei sobre isso, disse francamente um deles.
- Mas o senhor sabe, retomou Ernesto. Reflita um instante. Se o capital esgotasse sua parte, a soma total do capital não poderia aumentar: permaneceria constante. Ora, examinem a história econômica dos Estados Unidos e verão que o total do capital nunca cessou de crescer. Então, o capital nada absorveu da sua parte. Lembrem-se da época em que a Inglaterra possuia tantas das nossas obrigações das Estradas de Ferro. Com o correr dos anos, foram resgatadas por nós. Que concluir disso, senão que a parte não empregada do capital permitiu esse resgate? Hoje, os capitalistas dos Estados Unidos possuem centenas e centenas de milhões de dólares de obrigações mexicanas, russas, italianas ou gregas. Que representam senão um pouco dessa parte que o capital não engoliu? Desde o princípio mesmo do sistema capitalista, o capital nunca pôde avaliar toda sua parte.
E agora chegamos ao ponto. Quatro milhões de riqueza são produzidos anualmente nos Estados Unidos. O trabalho resgata e consome dois milhões. O capital não consome os dois milhões. Deixa um vultuoso excedente que não é destruído. Que se pode fazer? O trabalho nada pode desviar uma vez que consumiu todos os seus salários. O capital não encerra esse balanço, uma vez que por sua natureza absorveu tudo o que podia. E o excedente permanece nele. Que se faz? Que se pode fazer?
126 - Vendê-lo ao estrangeiro, declarou espontaneamente o Sr. Kowalt.
- É isto mesmo, aquiesceu Ernesto. É desse supérfluo que nasce nossa necessidade de uma válvula exterior. Vende-se ao estrangeiro. Têm-se a obrigação de vender ao estrangeiro. Não há outro meio para se desembaraçar dele. É o excedente vendido ao estrangeiro constituiu o que chamamos a balança comercial em nosso favor... Estamos sempre de acordo?
- Seguramente, é perder tempo elaborando esse abc do comércio, disse o Sr. Calvin com humor. Nós todos o conhecemos por instinto.
- Expus com tanto cuidado esse alfabeto porque graças a ele vou confundir os senhores, replicou Ernesto. Está aí o curioso do negócio. E vou confundi-los em poucas palavras.
Os Estados Unidos são um país capitalista que desenvolveu suas riquezas. Em virtude de seu sistema de indústria possui um excedente do qual precisa se desfazer no estrangeiro. O que é verdade nos Estados Unidos o é igualmente em todos os países capitalistas, dos quais as riquezas se desenvolveram. Cada um desses países dispõe de um excedente ainda intacto. Não esqueçamos que já comerciaram uns com os outros e que apesar disso os excedentes permanecem disponíveis. Em todos os países o trabalho tem despendido seus ganhos e nada pode comprar; em todos, o capital já consumiu tudo o que lhe permite sua natureza. E esses excedentes ficam nas suas mãos. Não podem trocá-los entre si. Como vão se desembaraçar deles?
- Vendendo aos países cujas riquezas ainda não estão desenvolvidas, sugeriu o Sr. Kowalt.
-127 - Perfeitamente: como vêem, o meu raciocínio é tão claro e simples que se desenrola por si em seus espíritos. Façamos agora um passo à frente. Suponhamos que os Estados Unidos disponham de seus excedentes em um país cujas riquezas não estejam desenvolvidas, no Brasil, por exemplo. Lembrem-se de que essa balança está fora do comércio, os artigos do comércio já foram consumidos. Que dará, pois, o Brasil em troca aos Estados Unidos?
- Ouro, disse o Sr. Kowalt.
- Mas há no mundo uma quantidade limitada de ouro, objetou Ernesto.
- Ouro sob a forma de hipotecas, obrigações e outros penhores desse gênero, retificou o Sr. Kowalt.
- Está certo. Os Estados Unidos receberão do Brasil, como volta do seu excedente, obrigações e garantias. Que quer isto dizer senão que os Estados Unidos entrarão na posse de Estradas de Ferro, de usinas, de minas e de terrenos no Brasil? E que resultará ainda?
O Sr. Kowalt refletiu e meneou a cabeça.
- Vou dizê-lo, continuou Ernesto. Resultará disso que as riquezas do Brasil vão ser desenvolvidas. Pois bem, façamos mais um passo. Quando o Brasil sob o impulso do sistema capitalista houver desenvolvido suas próprias riquezas, possuirá, ele próprio, um excedente não consumido. Poderá se desembaraçar dos Estados Unidos? Não, porque os Estados Unidos tem o seu próprio excedente. Os Estados Unidos poderão fazer como fizeram inicialmente e dispor de seus excedentes no Brasil? Não, porque este país tem um excedente também.
Que acontece? Daí em diante, os Estados Unidos e o Brasil, sob o impulso do sistema capitalista terão que procurar regiões de recursos ainda inexplorados. Mas, pelo fato de que aí descarregam seus excessos, essas novas regiões vêem crescer seus recursos. Não tardam em possuir excedentes, por sua vez, e se põem à procura de outras regiões para o seu alívio. Ora, sigam-me bem, senhores, nosso planeta não é tão grande. Existe um número limitado de regiões sobre a terra. Quando todos os países do mundo, até o menor, o último, tiverem uma sobrecarga nas mãos e olharem para todos os outros nas mesmas condições, que acontecerá?
-128 Fez uma pausa e observou seus ouvintes. Seus ares embaraçados eram interessantes para serem vistos. Mas existia também inquietude nas suas fisionomias. Entre abstrações, Ernesto tinha evocado uma visão clara. Também nesse momento todos a viam distintamente, e tinham medo.
- Começamos pelo ABC, sr. Calvin maliciosamente Ernesto, mas agora dei-lhe o resto do alfabeto. É bem simples o que significa a perfeição. Seguramente os senhores têm uma resposta sempre pronta. Pois bem, que acontecerá quando todos os países do mundo tiverem um excesso de capital não consumido? Onde estará então o seu sistema capitalista?
O Sr. Calvin movimentava a cabeça, preocupado. Evidentemente, procurava um vício de raciocínio no que Ernesto dissera anteriormente.
- Repassemos rapidamente, juntos, o terreno já percorrido, resumiu Ernesto. Começamos por uma operação industrial qualquer, aquela de uma fábrica de sapatos e estabelecimentos que a divisão de produçãp conjuntamente elaborada nela praticada era similar à divisão que se efetuava na soma total de todas as operações industriais. Descobrimos que o trabalho não pode resgatar com seus salários senão uma parte da produção e que o capital não consome todo o resto. Achamos que uma vez que o trabalho tinha consumido tudo o que lhe permitiam os salários, e o capital, tudo o que tinha necessidade, restava ainda um excesso disponível. Reconhecemos que não se podia dispor dessa balança senão no estrangeiro. Estamos convencidos que a circulação do supercapital num país novo tem como efeito o desenvolvimento dos recursos, de sorte que em pouco tempo esse país, por sua vez, se achará sobrecarregado com um supercapital. Estendemos a operação a todas as regiões do planeta, até que cada uma se embarace, de ano a ano, de dia a dia, com um excesso do qual não pode se desembaraçar sobre nenhuma outra região. E agora, ainda uma vez, pergunto aos senhores, o que podemos fazer com os excedentes?
Dessa vez ninguém respondeu.
- Vejamos, Sr. Calvin? provocou Ernesto.
- Nunca pensei em tal coisa, confessou o interpelado.
- Jamais tinha imaginado fato semelhante, declarou o Sr. Asmunsen. E portanto, é claro como o dia.
129 Era a primeira vez que eu ouvia uma exposição da doutrina de Karl Marx sobre a mais-valia, e Ernesto fizera esta exposição com tanta simplicidade que, eu também, permanecia admirada e incapaz de responder.
- Vou propor aos senhores um meio para se desembaraçarem do excedente, disse Ernesto. Joguem-no ao mar. Joguem em cada ano as centenas de milhões de dólares que valem sapatos, roupas, trigo e todas as riquezas comerciais. O negócio não ficará regrado assim?
Os senhores não poderão fazer refluir a onda da evolução.
130 Demonstrei aos senhores democraticamente a inevitável ruptura do sistema capitalista. Quando cada país se encontrar excedido de uma reserva inconsumível e invendável, o arcabouço plutocrático cederá sob a tremenda acumulação dos lucros erigidos por ele próprio. Mas, nesse dia, não haverá máquinas quebradas. Sua posse será o prêmio do combate. Se o trabalho for vitorioso, o caminho estará aberto. Os Estados Unidos, e sem dúvida, o mundo inteiro, entrarão numa era nova e prodigiosa. As máquinas ao invés de oprimir a vida, irão torná-la mais bela, mais feliz e mais nobre. Membros da classe média abolida, em harmonia com a classe dos trabalhadores - a única que subsistirá - os senhores participarão da divisão equitativa da produção das maravilhosas máquinas. E, todos juntos, construiremos outras mais surpreendentes ainda. Não haverá mais excedente não consumido, porque não existirão mais lucros extraordinários.
- Mas se os trustes ganharem a batalha pela posse das máquinas e do mundo? perguntou o Sr. Kowalt.
- Nesse caso, respondeu-lhes Ernesto, os senhores e o trabalho, todos nós, seremos esmagados pelo calcanhar de ferro de um despotismo tão implacável e terrível como nenhum daqueles que mancharam as páginas da História humana. O Tacão de Ferro! É bem o nome que convém à essa horrível tirania.
Houve um silêncio prolongado. As meditações se perdiam nas avenidas profundas e pouco frequentadas de cada um.
131 - Mas o seu Socialismo é um sonho, disse enfim o Sr. Calvin, e repetiu: - Um sonho!
- Então vou mostrar alguma coisa que não é um sonho, respondeu Ernesto. E essa alguma coisa chamarei de Oligarquia. Os senhores a chamarão de Plutocracia. Entendemos como tal os grandes capitalistas e os trustes. Examinemos onde está o poder hoje em dia.
Existem três classes na sociedade. Primeiro, vem a Plutocracia, composta de ricos banqueiros, magnatas de Estradas de Ferro, diretores de grandes Companhias e reis dos trustes. Depois vem a classe média, a dos senhores, que compreende os granjeiros, os mercadores, os pequenos industriais e as profissões liberais. Enfim, a terceira e última, vem a minha, o Proletariado, formada pelos trabalhadores assalariados.
Os senhores não poderão esquecer que a posse da riqueza é o que constitui atualmente poder essencial dos Estados Unidos. Em que proporção essa riqueza é possuída pelas três classes? Eis as cifras. A plutocracia é proprietária de sessenta e sete bilhões. Sobre o número total de pessoas que exercem uma profissão nos Estados Unidos, somente 0,9% percente à plutocracia, e não obstante, a plutocracia possui 70% da riqueza total. A classe média detém vinte e quatro bilhões. 29% das pessoas que exercem uma profissão e pertecem à classe média, usufruem 25% da riqueza total. Resta o proletariado. Dispõe de quatro bilhões. De todas as pessoas que exercem uma profissão, 70% vêm do proletariado, e o proletariado possui 4% da riqueza total. De que lado está o poder, senhores?
134 Mas, depois de tudo, a riqueza não constitui o verdadeiro poder por si própria; é o meio de obter o poder que é governamental por essência. Quem dirige o Governo hoje? É o proletariado com seus vinte milhões de seres enganados nas múltiplas ocupações? Os senhores mesmo riem com essa ideia. É a classe média com seus oito milhões de membros exercendo diversas profissões? Nunca. Quem, pois, dirige o governo? É a Plutocracia com seu insignificante um quarto de milhão de indivíduos. Entretanto, não é mesmo esse um quarto de milhão de homens que o dirige realmente, se bem que dê serviços de guarda voluntariamente. O cérebro da Plutocracia que dirige o governo, compõe-se de sete pequenos e poderosos grupos. E não esqueçam que hoje esses grupos agem em união.
Permitam-me esboçar o poder de um só desses grupos, aquele das Estradas de Ferro. Emprega quarenta mil advogados para anular as demandas do povo diante dos tribunais.
135 Senhores, nada fiz senão esboçar o poder de um dos sete grupos que constituem o cérebro da Plutocracia. Seus vinte e quatro bilhões de riqueza não dão aos senhores vinte e cinco porcento de poder governamental. É uma noz vazia que cedo será arrancada dos senhores. Hoje a Plutocracia tem todo o poder entre as mãos. É ela que fabrica as leis porque possui o Senado, o Congresso, as Cortes e as Legislaturas dos Estados. E não é tudo. Atrás da lei é preciso uma força para executá-la. Hoje ela faz a lei e para impô-la tem à sua disposição a polícia, a armada, o exército, e enfim, a milícia, quer dizer, os senhores, eu, e todos nós.
136 Podia-se crer que ainda estavam apavorados com a visão do futuro que tinham contemplado.

A Oligarquia queria a guerra com a Alemanha. E queria a guerra por uma dúzia de razões.
No malabarismo de eventos que guerra iria causar, na reorganização dos cartões internacionais e à elaboração de novos tratados e alianças, a Oligarquia tinha muito a ganhar.
E, além disso, a guerra iria consumir muitos excedentes nacionais, reduzir os exércitos de desempregados revolucionários socialistas que emergiam de todos os países (Alemanha, Estados Unidos, Itália, França, Áustria, Reino Unido) e dar à Oligarquia um espaço para respirar e aperfeiçoar seus planos e realizá-los.
Tal guerra iria praticamente colocar a Oligarquia na posse do Mercado Mundial. Além disso, na mente das pessoas seria substituído "Socialismo contra a Oligarquia" para "América contra Alemanha".

Jack London, 1908.

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