sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Sobre a Água - por Ana Primavesi

O problema da água potável está na impermeabilidade dos solos. Há de torná-los novamente porosos na sua superfície para deixar a água infiltrar-se, abastecendo os níveis freáticos, subterrâneos. Para isso não precisa de obras gigantescas nem da conservação da mata nas áreas de captação de fontes. Tudo o que se precisa é fornecer matéria orgânica ao solo e manter uma superfície coberta. O resto as bactérias o farão.

Vi uma plantação de erva-mate de um pequeno agricultor ao lado da plantação de um grande agricultor. O fazendeiro mantinha sua terra limpa com herbicidas, adubava e pulverizava o mate com defensivos. O pequeno não conseguia dar-se ao luxo de deixar as entrelinhas sem nada. Plantava nelas milho e mandioca para ter alimento para sua família. Também só conseguia trabalhar o solo com aradinho puxado a boi. Sua terra, pouco compactada e pouco revolvida era grumosa e boa, o solo era protegido contra insolação e impacto da chuva. Seus pés de erva-mate eram muito mais bonitos do que os do fazendeiro, com solo limpo e aração profunda entre as entrelinhas para "afofar" o solo. Ele não colheu nem a metade do que o pequeno agricultor conseguiu. Por isso, dizia-se: "o caboclo mais burro tem as maiores espigas de milho."

Mas não tem nada a ver com burrice. É o trato do solo que é mais adequado. O solo não requer "tecnologia de ponta" mas proteção e sossego. E a cobertura do solo faz milagres. E enquanto o agricultor tirava água de seu poço com um cata-vento, o grande tinha de bombeá-la de longe porque embaixo de seus solos duros e compactados não encontrou um poço com água.

Conservar solo e água é excepcionalmente simples. Não exige obras faraônicas, mas somente restabelecer o ciclo da água que foi interrompido. Não movimenta máquinas, não "aquece" a economia, não movimenta créditos, exige somente um pouco de matéria orgânica e um solo protegido do impacto das chuvas. Aí o fantasma da sede é banido de nosso Globo!

Alguns dizem que o Globo não se aquece e que não existe efeito estufa. Pode ser. Mas mesmo assim, as geleiras dos Andes diminuem e nos polos diminui a camada de gelo. Também dizem que os rios do hemisfério norte estão bem mais limpos do que há vinte anos e que o ar é menos poluído. Mas não dizem que o norte transferiu as fábricas mais poluentes para o sul, que agora é mais poluído que o norte, com rios sujos e lagos inflamáveis.

Muitos segredos da água e dos ecossistemas a ciência ainda não conseguiu desvendar:

- Por que a água sobe nos poços no auge da seca, algumas semanas antes da chuva vir?
- Por que os ipês amarelos florescem 40 dias antes da entrada das chuvas?
- Por que a terra fica úmida onde deitou o gado quando a chuva está próxima?
- Por que o gado começa a correr, sem razão aparente e sem uma nuvem no céu quando a chuva está para vir dentro de 24 horas?
- Por que as seriemas correm pelos pastos com seu grito estridente quando nas próximas 12 horas deve chover?
- Por que as rãs africanas preveem o tempo dois ou três dias antes com muito maior exatidão do que qualquer satélite ou estação meteorológica?

Na Europa dizem também que as avelãs carregam muito se está por vir um inverno muito rigoroso. Como elas sabem disso com quase um ano de antecedência, isto é, quando ainda estão formando as flores?

O homem ainda está longe de saber tudo o que está entre o céu e a terra e existem muitas coisas que tecnicamente não se resolvem.

[...] A natureza não é um amontoado de fatores e partículas de fatores isolados, mas um conjunto de sistemas, composto de ciclos. Tudo é dependente, interdependente e relativo.
[...] Por exemplo, aparecem erosões, enchentes e inundações e se constroem curvas de nível, caixas coletoras de água e murundus para evitar a erosão. Treinam-se especialistas nos Estados Unidos para combater as inundações. Retificam-se os rios, constroem-se enormes barragens e diques e, mesmo assim, o efeito é pequeno. Os rios e poços secam, e a água potável diminui perigosamente em nosso globo, embora esteja chovendo mais. Na Europa já se importa água potável da Finlândia, e nos Estados Unidos, do Canadá. Neste século, já se estão prevendo guerras por causa da luta acirrada pela água, tanto para o consumo humano como para a irrigação e a produção agrícola. Constroem-se milhares de açudes, abrem-se poços artesianos e montam-se fábricas para a dessalinização da água marinha. O mundo entra em pânico. Mas a causa da falta de água potável nada mais é do que a falta de poros, estáveis à ação da água, na superfície dos solos. Rompeu-se o ciclo da água. Com matéria orgânica na superfície do solo e a proteção do solo contra o impacto das gotas de chuva, consegue-se restaurar e conservar sua porosidade e garantir a infiltração da água para os níveis subterrâneos.

Trechos de "Pergunte Ao Solo E Às Raízes".
"O homem é campeão em produzir solos compactados, impermeáveis. Nas cidades para não sujar seus sapatos cada um impermeabiliza sua pequena área ao redor da casa, cimentando ou ladrilhando-a. Agora tem certeza que nenhuma água de chuva consegue mais entrar no solo, ela escorre. Assim, na cidade se criam enchentes e deslizamento de terrenos. Dizem que a culpa é da chuva ou do prefeito. Mas não é. A culpa é das pessoas que tornaram a superfície do solo impermeável. Na cidade, com as ruas asfaltadas e os quintais cimentados ou ladrilhados a água iria entrar onde e como. No campo o solo calcariado, arado e adubado com nitrogênio se compacta quase tão perfeitamente como o fazem o das cidades. A água da chuva em vez de entrar na terra para abastecer as culturas e os níveis subterrâneos de água escorre, causando a erosão com todos seus sulcos e voçorocas. Combate-se a erosão, a água que escorre com terraços, curvas de nível e microbacias. Entretanto não se combate a compactação dos solos. E a água escorrida que chega de avalanche aos rios causa enchentes, em vez de entrar no solo e abastecer as culturas e os depósitos subterrâneos de água, os níveis freáticos e aqüíferos. Porém foram exatamente estes que fomentaram as nascentes, rios e os poços semi-artesianos. Contudo como graças à atividade humana a água não chega mais lá, os rios diminuem cada vez mais e muitos até ficam secos. Os rios sem água não abastecem mais as represas hidrelétricas que começam a secar, como a de Paulo Afonso, cuja torre da igreja submersa apareceu outra vez ou a de Concórdia, no México, que secou até o fundo não tendo mais água nenhuma. Quando ocorre um Apagão todos xingam o Governo por não tê-lo previsto e tomado as devidas providências. Mas o Governo tem a obrigação de prever todas as asneiras que os cidadãos fazem como: cimentar os pátios de suas casas, jogar futebol nos gramados dos jardins públicos, compactando as terras agrícolas por lavrar, calcariar e adubá-las para colher mais, mesmo se os solos morrem, se compactam e finalmente desertificam?"

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