Compreensão ecológica! - Ana Primavesi
"[...] Se esta [compreensão ecológica] existisse, o homem, em hipótese alguma, poderia considerar-se dono da criação, afastado de suas leis, querendo modificar, dominar e explorar a seu bel-prazer, sem pensar um único momento que também ele faz parte da natureza. Que está bem ao centro dos equilíbrios ecológicos e desequilíbrios tecnológicos e que a decadência dos conjuntos ecológicos também contribui para a decadência da raça humana, de sua saúde, inteligência e vigor. O ser humano parece acreditar que pode influir sobre a natureza, modificar e destruí-la, sem que não tenha nenhuma influência sobre si mesmo. Ele vive em cidades, entre concreto armado, vidraças e asfalto, longe da natureza, mas mesmo assim depende dela com cada fibra de seu ser, através da alimentação, do ar, da água, das radiações que seus nervos captam, da poluição e da desertificação. Todos os ciclos da própria vida confundem-se com estes da natureza. [...]
"Ecológico" quer dizer perfeitamente adaptado ao seu módulo ambiental dentro das leis naturais. Mas estas leis não são estabelecidas pelo homem e não têm nada a ver com classificações, taxonomias e relações feitas para sistematizar. São leis eternas, segundo as quais a natureza funciona. Isso nos dá enormes possibilidades de manejo, e por que não dizê-lo, para poder otimizar todas as nossas atividades que lidam com a natureza. E isso não ocorre pela subjugação e "dominação" da natureza, nem por sua prostituição, mas somente pela amigável observação de suas leis.
Tem um adágio brasileiro que reza: "Prostituta não gera filhos!" e terra prostituída não é fértil! E, nas lides com a natureza, não deve reger o orgulho de dominá-la, mas a satisfação de manejá-la. Onde se domina, há luta e, mesmo ganhando uma ou outra batalha, a última batalha sempre é ganha pela natureza. Assim, planícies férteis se tornaram desertos, como a de Gobi e a do Saara, graças à atividade do homem. E os norte-americanos dizem: "All deserts are men made!" ou "Todos os desertos foram feitos pelo homem!". [...]
Apesar do uso generalizado de defensivos, as pragas e doenças aumentaram assustadoramente. Enquanto em 1956 somente 193 pragas eram conhecidas no Brasil, em 1976 já eram 592, provocadas em parte pela decadência dos solos, pelas variedades altamente produtivas mas pouco resistentes, pelas pragas importadas como ocorreu com o bicudo, insetos que se tornaram resistentes contra os defensivos, outros cujos "inimigos naturais" foram mortos pelos defensivos, o que permitiu sua multiplicação descontrolada, e, não por último, as pragas que foram criadas pelas monoculturas. [...]
Em 1940 existiam, por exemplo, na Índia, 30 mil variedades de arroz - para cada ecossistema um ecótipo. Atualmente são plantadas somente 10 variedades produzidas por duas firmas de sementes. Do mesmo modo existiram no século passado, na Malásia, 10 mil variedades de arroz: presentemente são 7. Não se procura mais a adaptação da cultura ao solo e ao clima, mas força-se a terra com todo o pacote tecnológico para produzir variedades estranhas, mais produtivas, mas muito mais arriscadas. [...]
Das 3000 espécies de plantas alimentícias, usadas no mundo inteiro em 1880, em que cada região cultivava seus alimentos principais próprios como, por exemplo, milho no México, arroz na Ásia, cevada e sorgo no Oriente Médio, milheto na Mongólia, centeio na Europa Oriental, trigo na Itália e Espanha etc., ocorreu uma redução para 15 alimentos básicos para facilitar o trabalho dos supermercados."
Ana Primavesi
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