quarta-feira, 1 de março de 2017

Uma vida notável - Maha Ghosananda

A história da vida de Maha Ghosananda, o monge Cambojano que mencionei antes, ilustra com beleza tudo aquilo que tenho tentado explicar. Ghosananda conheceu diretamente aquilo de pior que a raiva é capaz de fazer. Ghosananda experimentou os efeitos horríveis da raiva e devido à desesperança decidiu aprender a amar.
Como jovem monge, Ghosananda primeiro estudou os suttas, [discursos]. Quando chegou a hora de começar a praticar meditação, ele foi mandado para um monastério na Tailândia. Foi na Tailândia, um lugar seguro, que ele primeiro ouviu sobre as hostilidades no Camboja. Ele descobriu que os seus pais e todos os irmãos e irmãs haviam sido assassinados. À medida que o tempo foi passando, ele ficou sabendo da morte de muitos dos seus companheiros, monges e monjas. E é claro, ele disse, que chorou por tantas perdas. Ele chorou pelo seu país. Ele chorou, ele disse, todos os dias e era incapaz de parar de chorar. Mas o seu mestre o encorajou a parar. “Não chore,” lhe disse, “Tenha atenção plena.” Isso pode soar como falta de compaixão, mas foi um bom conselho.
“Estar com atenção plena,” disse o mestre, “é como saber quando abrir e fechar as suas janelas e portas. A atenção plena nos diz quando é o momento apropriado de fazer as coisas ... Você não pode parar a guerra. Ao invés disso, lute contra os seus impulsos de tristeza e raiva. Tenha atenção plena. Prepare-se para o dia em que você poderá ser verdadeiramente útil para o seu país. Pare de chorar e tenha atenção plena!”
Ghosananda disse que ele ficou muito tempo sentado refletindo sobre o extermínio e naquilo que o seu mestre havia dito. Ele compreendeu que os mortos estavam mortos. Eles estavam no passado. Haviam partido. Toda a sua família, todos os seus amigos se foram. Ele pensou no futuro e viu que ele era totalmente desconhecido. Ele decidiu fazer a única coisa possível, tomar conta do presente da melhor forma que ele podia. “O presente é a mãe do futuro,” ele dizia. “Tome conta da mãe. Assim a mãe tomará conta dos filhos.” Então, ele regressou para a prática, de volta para a respiração. Pois, dizia ele, “Respirar não é o passado ou o futuro. Respirar é agora.”
As lágrimas pararam. “Não há tristeza no momento presente,” ele explicava. “Como poderia haver? A tristeza e a raiva se referem ao passado. Ou elas surgem pelo medo do futuro. Mas elas não estão no momento presente. Elas agora não existem.”
Durante nove anos ele deu seguimento à sua prática nas florestas da Tailândia, isolado numa cabana, lá ele conquistou a claridade e estabilidade mental, o entendimento e o amor que são o fruto de profunda meditação.
Quando a guerra estava chegando ao seu fim, ele regressou ao Camboja. Milhões de civis haviam morrido devido aos bombardeios, à fome, aprisionamento e tortura. Era uma nação de ódio e medo e sofrimento. Ghosananda foi para um campo de refugiados próximo da fronteira. O campo estava abarrotado de pessoas que haviam fugido dos exércitos inimigos. O esgoto corria a céu aberto. Água e comida eram escassas. As pessoas estavam desesperadas, sem saber o que fazer. Ele supervisionou a construção de um grande templo improvisado feito com bambu.
Testemunhas dizem que milhares de refugiados se juntaram e choraram quando esse único monge budista nos seus mantos de cor ocre recitou os versos “O ódio nunca até agora dissipou o ódio. Apenas o amor dissipa o ódio. Essa é a lei antiga e inexaurível.” E ele disse mais, “agora é a vez da paz e não de mais ódio. Que não hajam mais violências ...”
De imediato, ele começou a trabalhar para ajudar a restabelecer a sociedade fraturada, reconstruindo templos, liderando marchas pela paz, encorajando as pessoas a dar um fim às hostilidades, a abandonar a raiva e viver em paz. Quase da noite para o dia ele se tornou uma figura pública e agora é conhecido no mundo todo como um porta voz da não violência e da reconciliação. Ele algumas vezes é chamado de “o Gandhi do Camboja.”
Deixar de lado o passado e aceitar as perdas é algo muito doloroso de ser feito. Mas apegar-se à tristeza e à auto-piedade e continuar a lamentar aquilo que se foi ou que poderia ter sido simplesmente corrói a força. Rouba toda a energia criativa de viver.
O rei do Camboja ficou profundamente deprimido devido ao imenso sofrimento do seu país. Ghosananda foi perguntado que tipo de conselho ele daria ao rei. Camboja, é claro, é (ou foi) um país budista e seria algo bastante normal para o rei solicitar um conselho de um monge.
Ghosananda disse: “Nós sempre lembramos ao rei para estar no presente. Ele sempre pensa no futuro, ele sempre lamenta o passado e assim sofre. Se ele permanecer no momento presente, ele será feliz. A vida existe no momento presente. Inspirando, momento presente. Expirando, momento presente. Não podemos respirar no passado,” ele disse. “Não podemos respirar no futuro. Só podemos respirar aqui e agora.”
Eu gosto dessa história do rei porque é tão simples. O conselho dado ao rei é o mesmo conselho dado para você ou para mim. Esteja no presente, tenha atenção plena, e a tristeza e a raiva desaparecerão.

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