Apenas uma pequena folha... - Sarah Doering
Faz muito anos, eu tive uma dessas experiências que fez com que o meu entendimento da prática mudasse significativamente. Foi numa época em que eu estava muito triste. Parecia que o fim do mundo havia chegado para mim. Alguém que eu amava muito havia partido e era improvável que fosse voltar.
Caminhando no jardim em frente à minha casa eu distraída peguei uma folha dum arbusto. E depois, por alguma razão, parei e olhei para a folha na minha mão. Minha atenção foi de alguma forma atraída pela folha e comecei a estudá-la com cuidado. Eu fiquei parada, olhando para a pequena folha, as suas veias, as bordas delicadas, a sua suavidade, o seu brilho, o seu verde intenso. E de repente compreendi que aquela tristeza pesada e obscura que estava me deprimindo, havia partido. Meu coração estava completamente leve e em paz.
O contraste entre ser engolida pela tristeza e a repentina libertação para a leveza e a paz foi tão forte que o pensamento surgiu: “Essa folha é mágica?” Eu não compreendi em absoluto o que havia acontecido. A mudança foi tão grande, tão completa, que supus que ela tinha de ser causada por algo fora de mim mesma. E com cuidado eu trouxe a folha para dentro da casa. Eu não havia compreendido que a mudança do sofrimento para a paz havia acontecido simplesmente porque por alguns momentos a minha mente esteve focada e plenamente atenta.
Na manhã seguinte, eu peguei uma outra folha para ver se ela tinha o mesmo poder, como se a felicidade repousasse numa folha. É claro que não funcionou. Eu só fui compreender muito mais tarde que quando a atenção plena é completa, não há tristeza, não há raiva – pois não há pensamento.
O pensamento e o entregar-se ao ciclo de pensamentos, permitindo que eles sigam indefinidamente, é que faz com que nos sintamos infelizes e nos mantém infelizes. Quando o pensamento é cortado, as aflições mentais desaparecem. Dukkha é substituído pela felicidade de uma mente alerta e tranqüila.
Aquele momento com a folha foi uma grande lição para mim. Pois foi através disso que pude enxergar o poder extraordinário da atenção plena – o seu poder curativo. Quando a atenção está totalmente com algo, qualquer coisa, não há espaço na mente para a tristeza ou para a raiva, ou qualquer outra emoção negativa. Só a atenção está presente. E a paz que provém da completa atenção está acima de qualquer comparação.
Se tivesse sido possível transferir aquele tipo de atenção cuidadosa, que havia sido dada para a folha, para qualquer coisa que eu fizesse e sustentar essa atenção, a tristeza não teria nunca retornado. Mas é claro, ela retornou. Aquele momento de presença completa foi apenas um descanso para a minha mente. Foi um tremendo alívio, mas não deu um fim à minha dor, e nem poderia. Para que isso, acontecesse, algo mais era necessário.
Na próxima vez que a tristeza surgiu, ao invés de buscar pela cura mágica numa folha, como (para ser honesta) eu continuei fazendo por vários dias, eu deveria ter me voltado para o próprio sentimento de tristeza. Eu deveria ter estado atenta permitindo a mim mesma sentí-lo completamente. A menos que seja possível ficar plenamente atenta o tempo todo, do que eu não era capaz, a única forma de finalmente resolver qualquer emoção aflitiva é enfrentá-la de frente, abrir-se para ela, e trazê-la totalmente para a consciência. Quando for completamente compreendida, ela irá se dissipar e desaparecer. Em geral não é possível fazer isso de imediato, é óbvio. Pode ser demasiado doloroso. Então, temos que respeitar as nossas limitações e seguir num passo apropriado.
Ao mesmo tempo, é importante compreender, quando estamos numa situação desagradável que não pode ser mudada, que quanto mais rápido a resistência for abandonada, tanto mais rápido estaremos em paz. É bom senso, nada mais. De outro modo, continuaremos batalhando para viver num mundo que não existe, um mundo de fantasia de como desejaríamos que as coisas fossem, mas não são. Estaremos em dessintonia com aquilo que está acontecendo no momento e o sofrimento será inevitável.
O abandono, com a rendição à realidade do momento presente, é a única coisa realista a ser feita. Aceitar uma determinada situação não significa que você precisa gostar dela. Significa simplesmente que, quer gostemos ou não, ela está ali.
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