sábado, 12 de janeiro de 2013

Jack London - Martin Eden 1909 1976

184 Só estou mantendo meu direito enquanto indivíduo. Acabei de lher dizer o que penso. As autoridades mundiais podem estar todas com a razão. Mas eu sou eu e não vou subordinar meu gosto ao juízo unânime da humanidade. Se eu não gostar de uma coisa, não gosto e acabou-se; e não há motivo no mundo por que deveria aceitar o gosto alheio só porque a maioria dos outros mortais gostam ou fingem gostar. Não posso seguir a moda em questões do que gosto ou do que não gosto.

235 ...irrompeu uma ou duas vezes num riso amargo ao visualizar a irmã e o noivo, todas as pessoas de sua própria classe e a de Ruth, norteando suas pequenas e estreitas vidas de acordo com pequenas e estreitas fórmulas - um rebanho de criaturas, andando em bandos e modelando suas vidas segundo as opiniões uns dos outros, fracassando em ser indivíduos e em viver a vida de verdade por causa das fórmulas infantis às quais estavam escravizadas. Ele as invocou num desfile de aparições e, um a um e aos pares, ele os julgou e os pôs de lado - julgou-os pelos padrões do intelecto e da moralidade que aprendera nos livros. Em vão indagou: Onde estão as grandes almas, os grandes homens e mulheres? Não os encontrou entre as mentes indiferentes, grosseiras e estúpidas que atenderam ao chamado da visão em seu pequeno quarto. Sentia uma aversão por elas, semelhante à que Circe devia ter sentido pelos porcos. 

Você era igual a todos eles, meu rapaz. Sua moralidade e seu conhecimento eram exatamente iguais aos deles. Não pensava nem agia por si. Suas opiniões, como sua roupa, vinham prontas; suas ações eram ditadas pela aprovação popular. Bem, os anos passaram, e o que pensa sobre isso agora?

237 Martin ignorava que Ruth não era simpática à alegria da Criação. Ela lera a respeito, estudara na universidade quando estava obtendo o título de bacharel em artes; mas ela não era original, nem criativa, e todas as manifestações de cultura de sua parte não passavam de imitações das imitações dos outros.

- Será que o editor não teve razão ao revisar a sua Sea lyrics? - ela indagou. - Lembre-se de que um editor tem que ter credenciais comprovadas, caso contrário não seria editor.

238 Eu vou falar-lhe sobre isso - interrompeu ele. - A qualificação principal de noventa por cento dos editores é o fracasso. Fracassaram como escritores. Não pense que preferem a monotonia do escritório e o fato de estarem limitados pela circulação e pelo gerente comercial à alegria de escrever. Tentaram escrever e fracassaram. E esse é o maldito paradoxo de tudo. Cada portal do sucesso literário está guardado por esses cães de guarda, os fracassos literários. Os editores, assistentes de edição e os que revisam os textos para as revistas e para as editoras são quase todos homens que queriam escrever e que fracassaram. E no entanto eles, de todos os entes na terra os menos indicados, são os mesmos que decidem o que deverá ou não ser impresso... eles, que provaram não ser originais, que demonstraram faltar-lhes a chama divina, presidem ao julgamento da originalidade e do gênio. E depois deles vêm os críticos, que são outros tantos fracassos. Não me diga que não sonharam um dia e não tentaram escrever poesias ou ficção; porque sonharam, e fracassaram. Ora, a média das críticas é mais repugnante que óleo de fígado de bacalhau. Mas você conhece minha opinião sobre os compiladores de resenhas e os chamados críticos. Existem grandes críticos, mas são tão raros quanto cometas. Se eu fracassar como escritor, estarei aprovado para a carreira de editor. Garante o pão com manteiga e geléia, de qualquer modo.

243 E tem mais - continuou ele, com ímpeto. - Você me ama. Mas por que me ama? Essa coisa dentro de mim que me leva a escrever é exatamente a mesma que desperta o seu amor. Você me ama porque, de algum modo, eu sou diferente dos homens que você conheceu e a quem poderia ter amado. Não nasci para sentar-me a uma escrivaninha num escritório, para as pequenas discussões comerciais e arranjos legais. Querer que eu faça isso, querer que eu seja igual aos outros homens, que eu faça o mesmo trabalho que eles fazem, respire o ar que respiram, adote o ponto de vista que adotaram, é destruir a diferença, é destruir-me, é destruir aquilo que você ama. O desejo que tenho de escrever é o que há de mais vital dentro de mim.

244 Tudo pode dar errado no mundo, mas o amor, não. O amor não pode dar errado, a não ser que seja fraco e desfaleça e tropece ao longo do caminho.

254 Há coisas demais sendo escritas por indivíduos que não sabem escrever a respeito de indivíduos que sabem.


Sinopse: Escrito durante uma viagem à volta do mundo no veleiro Snark, Martin Eden (1909) é o romance mais autobiográfico de Jack London. Descreve a sua luta para se cultivar, a fama literária que alcançou na juventude e a desilusão com o sucesso na maturidade. A identificação apaixonada do autor com o seu herói, Martin Eden, confere ao livro um poder e força de atracção inigualáveis. Ataque à burguesia, mas também aos valores do individualismo, deste romance emerge ainda a consciência crítica de London na luta pela transformação da sociedade do seu tempo.


RESUMO (não leia quem pretende ler o livro e não gosta 'que contem o final do filme')

Jack London é um dos escritores norte-americanos mais conhecidos. Suas histórias empolgaram gerações de jovens em todo mundo, especialmente as duas mais famosas, O Chamado Selvagem e Caninos Brancos.

Por causa disto, London é erroneamente mais conhecido como um mero escritor de aventuras. Isso não é exato. Autodidata e com uma vida repleta de aventuras, do Alasca aos mares do sul, ele escreveu mais de 40 livros, entre romances, contos e reportagens. Apesar de ser um individualista dos mais puros, ao longo de sua ida tomou contato com os movimentos socialistas, o que o levou a escrever livros de militância social, como O Tacão de Ferro.

Martin Eden, publicado recentemente pela editora Nova Alexandria, é considerado sua obra mais importante. Com fortes tons autobiográficos, ela narra a história do marinheiro Martin Eden, que se apaixona por uma moça de classe média, Ruth. Decidido a ascender socialmente para poder se casar com ela, e dotado de uma enorme curiosidade pelo saber, que identifica ser parte de uma existência superior a qual pertence sua noiva, decide se tornar um intelectual. Chega a estudar 19 horas por dia, enfrentando a incompreensão da família e de sua própria amada, que gostaria que ele se dedicasse a uma carreira convencional, como advogado.

Depois de já ter acumulado um nível extraordinário de conhecimentos, Martin passa a escrever contos e romances que manda para as revistas literárias, que, com exceção de um ou outro, os rejeita. Só interrompe seu trabalho intelectual quando já não tem mais dinheiro e é obrigado a se empregar numa lavanderia. Lá o regime de trabalho é opressivo e estafante, o que leva Martin à falta de interesse pelos livros e à bebida. Ele então sai do serviço e volta a escrever. Para sobreviver, escreve também folhetins e literatura barata para vender a revistas populares.

Sua força de vontade o faz continuar no seu objetivo, mas fica desanimado com a falta de compreensão de Ruth. Percebe que o meio em que ela vive é repleto de convencionalismos falsos, preocupação com as aparências e vazia de vida intelectual. Martin não consegue se conciliar com este modo de vida, é um espírito livre, percebe que seus estudos o elevaram intelectualmente acima desta pequena burguesia medíocre e o fazem desprezar seus preconceitos: “O realismo é necessário à minha natureza e o espírito burguês odeia o realismo. A burguesia é covarde. Receia a vida.”

Martin se diz um discípulo de Nietzsche, um individualista que professa o credo dos fortes: “Não havia dúvida de que o mundo pertencia aos fortes”, “Os homens verdadeiramente nobres estavam acima da piedade e da compaixão. Piedade e compaixão haviam-se gerado nos barracões subterrâneos dos escravos e nada mais eram do que a agonia e o suor de uma multidão de fracos e miseráveis.” Esta crença vinha da consciência da sua própria superioridade intelectual.

É com estas convicções que ele vai a uma assembléia operária e refuta os socialistas. Nesta assembléia havia um repórter que, não sabendo acompanhar a discussão, e não entendendo os argumentos utilizados, no dia seguinte escreve um artigo sensacionalista colocando Martin como o líder de um grupo de socialistas raivosos. Martin o agride e ele escreve outro artigo mentiroso. A família e vizinhos de Martin se voltam contra ele, e os pais de Ruth a obrigam a romper o noivado.

Martin fica arrasado com estes ataques e incompreensão de suas idéias, e ainda mais por ver na sua amada toda a superficialidade burguesa que ele detestava: “Fora uma Ruth idealizada que amara, uma criatura etérea por ele próprio criada, espírito brilhante e luminoso de seus poemas de amor. A verdadeira Ruth burguesa, com todos os seus defeitos burgueses, com todas as irremediáveis arestas de uma psicologia burguesa – essa ele nunca amara.”

Martin faz mais uma tentativa de publicar seus trabalhos e consegue. De repente, ele se torna um sucesso de publico e crítica, todos querem adquirir seus escritos e ele se torna rico. Mas esse sucesso se torna mais uma frustração para ele: o público só está interessado em alguma novidade, os críticos são incapazes de entende-lo e tecem apenas comentários vulgares. Sua obra literária, no qual ele pôs toda a sua alma e o amor pela vida, é apenas um modismo que a industria cultural oferece ao grande público.

As portas da alta sociedade agora se abrem para ele. A sua família, que antes o chamava de vagabundo por não procurar um emprego, agora o adula. Os burgueses obtusos que não entendiam seus pontos de vista e pensam apenas por imitação, o convidam agora para jantares e a ingressar em clubes privados. Ruth tenta reatar o noivado, agora que ele conta com a aprovação de todos. Mas Martin não aceita.

Pode-se dizer que Martin agora é um vencedor. Consegue ascender na escala social por seu próprio esforço e mérito e se torna rico e prestigiado, mas para ele esta fama não tem sentido algum. A vida intelectual e a pureza de sentimentos que ele imaginava existir nas esferas superiores não existem. O amor que sentia por um ser que só existia em sua imaginação não resistiu à prova da realidade.

Tenta se reaproximar dos seus velhos amigos da classe operária, mas um abismo se interpõe entre eles, devido aos estudos de Martin. Ele perde então todo o entusiasmo em continuar escrevendo, sua vida se torna um tremendo vazio. O violento tédio que se apossa de sua existência o leva a um trágico fim.

Um romance extraordinário e cheio de vigor, é ainda hoje uma denuncia eloqüente da industria cultural e das falsas convenções que tornam célebres escritores medíocres, na canonização que impede qualquer espaço para as novidades. O ataque que fez Martin às autoridades universitárias ainda hoje tem validade: “Sua missão consiste em pegar todos os jovens que freqüentam a universidade e eliminar-lhes do cérebro qualquer luminosa originalidade que por acaso lá se albergue, e, em lugar dela, pôr-lhes o selo do convencionalismo.”

Apesar de ser Martin um individualista, a sua própria história é uma refutação de sua crença. O argumento de que o mundo pertence aos fortes é desmentido pelo tempo que passou na lavanderia, onde o trabalho esmaga a vontade e a iniciativa, por mais que a pessoa seja forte. Tudo isso é escrito por alguém que conheceu o processo desumano da maquina industrial. London aqui faz um ajuste de contas com seu antigo mestre Nietzsche, de um modo sutil e com seu estilo sempre vivo e apaixonante. O livro inteiro é uma reflexão sobre a divisão entre trabalho intelectual e manual, a busca de valores verdadeiros em uma sociedade sem valores e a solidão e incompreensão sofrida pelos que não se submetem à mediocridade estabelecida.

Para quem nunca leu um livro de London, Martin Eden é uma excelente introdução, e possivelmente o fará querer ler mais.

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