segunda-feira, 20 de março de 2017

O céu noturno estrelado do mundo antigo no presente - Thomas de Toledo

O CÉU NOTURNO ESTRELADO DO MUNDO ANTIGO NO PRESENTE
Por Thomas de Toledo
Céu e mundo antigo. Duas coisas aparentemente distantes de quem vive numa cidade grande. Afinal, em tempos modernos, quem consegue distinguir estrelas e constelações em cidades onde a poluição do ar mistura-se ao brilho das luzes artificiais, ocultando o céu do olhar nu? Quem se preocupa com o que aconteceu quando os humanos viviam em cavernas ou quando se desenvolveram as primeiras civilizações? Na verdade, tanto o céu quanto o mundo antigo estão muito mais presentes em nossa realidade do que se imagina. A começar pelo calendário.
A contagem de dias com marcação dos ciclos anuais foi estabelecida por povos antigos, a partir do cálculo sistemático dos movimentos de rotação e translação da Terra. Ela surge no longo e dramático processo da passagem do paleolítico (idade da pedra lascada) para o neolítico (idade da pedra polida), quando ocorreu uma lenta sedentarização em função da criação da agricultura e da domesticação de animais. A neolitização está associada ao fim da última era glacial, por volta de 12 mil anos atrás. O derretimento das geleiras, resultantes das mudanças climáticas de aquecimento global da época, criou o ambiente para que o homo sapiens sapiens deixasse as cavernas onde se protegia do frio e começasse a povoar as beiras de rios, lagos e oásis, onde encontrava abundância de água potável. Da mesma forma que humanos, animais amontavam-se ao redor das fontes aquíferas, tornando-se alvos fáceis para a caça.
Os homens e mulheres pré-históricos começaram a fixar-se, a sedentarizarem-se perto dos rios. Logo, perceberam que era possível domesticar os animais e, ao mesmo tempo passaram a plantar e a colher sementes de vegetais para alimentação e outras atividades econômicas. Nas diversas regiões do planeta, cada qual a seu tempo e a seu modo, ocorriam revoluções neolíticas. Agora, a agricultura e a pecuária exigiam uma conexão com os ciclos da Terra e do Céu. Afinal, toda planta tem sua melhor estação para cultivo, assim como a maior parte dos animais reproduz-se de acordo com ciclos lunares ou solares. O calendário surgiu para estas atividades, tanto econômicas do ponto de vista da produção e reprodução da vida material, como religiosas nos festivais de plantio, fertilidade e colheita, bem como de abate de animais em determinadas épocas do ano.
Usamos um calendário instituído pela igreja católica, pelo papa Gregório, que é uma atualização piorada do anteriormente estabelecido por Júlio César nos tempos do Império Romano. Esses são calendários de 365 dias solares. Os 12 meses deveriam possuir 30 dias, baseados no ciclo lunar de 29,5 dias. Mas o que fazer com os 5 dias restantes? Eles foram distribuídos nos meses que ficaram com 31 dias a fim de forçar uma sincronização artificial entre a lua e o sol. Posteriormente, as 6 horas a mais de cada ano viriam unir-se a cada quadriênio para formar o ano bissexto com 366 dias. Ou seja, diferentemente dos calendários judaico e muçulmano, que são lunares, os calendários gregoriano e juliano são lunissolares pois mesclam a influência de ambos os astros.
Os pais do calendário de base solar foram, na verdade, os mesopotâmicos. Inicialmente os sumérios, em seguida os caldeus, assírios e babilônicos. Seu sistema dividia a eclíptica (caminho do movimento aparente anual do sol entre as constelações) em 12 meses de 30 graus, totalizando os 360 graus do círculo celeste. Cada mês tinha o equivalente a 30,45 dias, correspondente a cada signo zodiacal. Deste sistema deriva a astrologia e sua divisão em casas, que procura interpretar a influência dos astros sobre pessoas, países ou acontecimentos.
Mas alguns povos adotavam métodos ainda mais sofisticados. Era o caso dos antigos egípcios que notaram que havia uma correlação entre as 3 fases de crescente, alta e baixa vazão do Rio Nilo com a estrela Sírius. Quando esta aparecia nas manhãs, o calendário anual começava, com 3 estações supracitadas, divididas em 12 meses de 30 dias, resultando em 360 dias mais 5, estes considerados o epagômeno dos Deuses Osíris, Ísis, Seth, Néftis e Hórus. O zodíaco de Dendera, já de um período tardio, mostrava como os egípcios concebiam o céu e seus movimentos.
Outra civilização que dominava os cálculos celestes eram os maias. Diferente dos outros povos que procuravam unificar em um único calendário as contagens solares, lunares e estrelares, os maias trabalhavam com um para cada tipo de ciclo. Havia um calendário de base lunar que se baseava pela média do ciclo sideral com o ciclo sinódico do satélite, em meses de 28 dias com 4 x 7 dias (semana). Possuíam também um sistema de contagem do tempo, conhecido por Tzolkin, que associavam ao centro da galáxia (Hunab-Ku), com 260 dias (20 selos solares x 13 tons galácticos). Tinham ainda um tipo de contagem de tuns, katuns e baktuns, de anos agrupados em curta média e longa duração. Tais sistemas ainda são utilizados em sua forma nativa pelos povos indígenas locais do México e América Central e uma variação moderna deles é conhecida como Sincronário da Paz.
Para os antigos, a relação com as estrelas, os planetas errantes, o sol e a lua era materializada na construção de monumentos arquitetônicos que tanto serviam como relógios, como lugar de culto religioso ou funerário. Os menires eram pedras que funcionavam como um primitivo relógio de sol, da mesma forma que os elaborados obeliscos. Os dolmens eram dois menires paralelos sobrepostos por um terceiro em forma de mesa, que juntos aparentavam ser um portal, onde o sol, a lua, um planeta ou determinada constelação apareceria durante a época que se buscava celebrar. Por fim, os cromlechs ou henges são os círculos de pedras, orientados a solstícios, equinócios, fases lunares e movimentos planetários ou estelares, a depender do grau de detalhamento. Stonehenge é o mais conhecido desses monumentos e ele foi sendo construído e reformado ao longo de milênios.
À medida que se avançava o processo civilizatório e as sociedades tornavam-se mais complexas, construíam-se templos e túmulos funerários orientados às festividades religiosas que em geral celebravam os ciclos da natureza. As janelas, portas, escadarias ou cumes de templos ou tumbas (tais como mastabas e pirâmides), eram projetadas para refletir ou visualizar em determinada condição a importância do astro a ele relacionado. Tal desenvoltura na ligação da Terra com o céu pode ser observada desde povos antigos como mesopotâmicos, egípcios, fenícios, chineses, hindus, como civilizações mais recentes como as pré-colombianas dos incas, maias, astecas e toltecas. Em todas essas, seus principais monumentos guardam uma ligação direta com o céu e os astros.
Poderíamos acreditar que essa arquitetura céu-Terra fosse obra apenas do mundo antigo. Mas cidades planejadas como Washington e Brasília são alguns exemplos de que tal concepção foi herdada aos dias atuais. A capital brasileira, por exemplo, está alinhada de modo que a Praça dos Três Poderes localiza-se ao leste, onde o sol nasce. Dessa forma, nos equinócios de primavera e outono, o sol emerge entre o prédio duplo do Congresso Nacional. Já nos solstícios, o sol aproxima-se da cúpula côncava do senado no verão e da cúpula convexa da câmara no inverno. Isto integra o espaço do eixo monumental com uma clara orientação solar leste-norte-oeste-sul do giro sol pelo hemisfério sul. A influência de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Juscelino Kubtischek não poderia ter sido outra: o Antigo Egito.
Apesar de vivermos em um tempo no qual não se olha para o firmamento, tampouco compreende-se que tudo o que existe na atualidade é resultante de um passado histórico, o céu e o mundo antigo ainda seguem vivos em nosso cotidiano. Nosso estilo de viver começou a ser instituído com o fim de uma era glacial e avançou à medida que se desenvolveram as civilizações, seja influenciando na contagem do tempo, seja inspirando obras de arte das quais vale mencionar a arquitetura. O fato é que o espaço que separa a Terra do céu e o tempo que distancia o mundo antigo do presente encontram-se cada vez mais diluídos, uma vez que Einstein nos mostrou as leis da Relatividade Geral. Espaço e tempo distorcem-se, formando uma realidade una e múltipla na qual todas as teias de relações encontram-se quanticamente conectadas. Dessa forma, entende-se que o tempo passado e o espaço do céu estão vivos e presentes neste exato aqui e agora!

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